A redução da burocracia no transporte rodoviário de cargas
A importância do segmento logístico no cotidiano da sociedade ganhou relevo nesse momento atual pelo qual passamos, em meio à pandemia do coronavírus, ante a necessidade de se manter o abastecimento regular dos gêneros considerados como essenciais à população, por meio das empresas transportadoras.
Todavia, nesse novo cenário atípico e de grandes desafios em que foram submetidas as empresas transportadoras, há um outro desafio não muito menor a ser enfrentado por elas, e que se sobreleva por conta da diminuição de mão de obra dos seus colaboradores em decorrência das medidas de distanciamento social determinadas pelas autoridades administrativas, qual seja: a malfadada burocracia fiscal.
Referida burocracia remanesce mesmo após a instituição dos chamados “documentos digitais”, uma vez que a legislação que disciplina a geração dos documentos eletrônicos por não acompanhar a dinâmica e evolução do seguimento logístico, acaba lhe impondo verdadeiro “engessamento”, criando entraves que dificultam a fluidez necessária, vital e peculiar da atividade.
Ademais, apesar de eletrônicos e de serem gerados em formato digital com acesso online por toda a fiscalização dos Estados, as normas tributárias ainda impõem às transportadoras a obrigatoriedade de imprimirem e portarem cópias físicas, ou seja, impressas em papel dos documentos digitais; verdadeiro contra senso!
Nesse particular, se tomarmos como exemplo o caso de uma transportadora de grande porte, atuante no seguimento do e-commerce (“comércio eletrônico”), que normalmente costuma gerar uma média de 50 a 70 mil conhecimentos diários, a impressão destes documentos equivale a um “volume de carga”, além de contribuir negativamente com a preservação ambiental, ante o alto consumo de papel utilizado, sem contar o custo financeiro e operacional que tal procedimento representa!
Em outras palavras, embora ao longo de quase duas décadas as empresas tenham realizado maciços investimentos em seus sistemas eletrônicos de processamento de dados para viabilizar a geração dos documentos digitais a partir das customizações determinadas pelo Fisco, não houve simplificação nos processos de geração dos documentos, tampouco supressão da necessidade de se imprimir e portar os documentos também em papel!
Documentos fiscais obrigatórios no transporte rodoviário de cargas
No transporte rodoviário de cargas, a empresa transportadora é obrigada a portar os seguintes documentos fiscais:
a) Nota Fiscal Eletrônica (NF-e);
b) Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e); e
c) Manifesto Fiscal de documentos Fiscais (MDF-e).
Nota Fiscal Eletrônica emitida pelo embarcador: Responsabilidade solidária da transportadora e obrigatoriedade de portar via impressa
Embora a nota fiscal seja emitida pelo embarcador da mercadoria, a legislação atribui a responsabilidade de a empresa transportadora exigir o arquivo eletrônico do documento fiscal do seu cliente contendo todos os requisitos legais. Eventual descumprimento de algum requisito legal pelo embarcador acaba resvalando na transportadora, pois neste caso a fiscalização costuma enquadrar o documento como “inidôneo”, ou seja, sem validade fiscal, apreendendo a mercadoria e autuando a empresa pela falta cometida pelo seu cliente (embarcador).
Além disso, apesar de o documento no formato digital ser disponibilizado de forma online à fiscalização e ao destinatário da mercadoria, o transportador é obrigado a imprimir em papel a cópia da Nota Fiscal Eletrônica (impressão do DANFE – Documento Auxiliar da nota Fiscal Eletrônica) e portá-la durante todo o trajeto do transporte para eventual exibição ao fisco e entrega ao destinatário.
Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e)
O Conhecimento de Transporte constitui documento fiscal de emissão obrigatória para todos os transportadores que prestam serviço de transporte de natureza intermunicipal (entre Municípios de um mesmo Estado) e/ou interestadual (entre Municípios localizados em Estados diferentes).
Essa obrigatoriedade é prevista na legislação cível (Código Civil Brasileiro), ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e, principalmente, na legislação tributária (Regulamento do ICMS dos Estados brasileiros).
Na esfera tributária ele representa o principal documento emitido por uma transportadora, pois é com base nas suas informações que a Secretaria da Fazenda fiscalizará e cobrará o ICMS de todos os participantes da cadeia do transporte.
Atualmente temos por modelo adotado pelos Estados o CT-e, ou seja, o Conhecimento de Transporte Eletrônico, cuja emissão e armazenamento se dão de forma eletrônica, mas com obrigatoriedade de a carga ser acompanhada por um documento físico, intitulado de DACTE (Documento Auxiliar do Conhecimento de Transporte Eletrônico), contendo parte das informações que são disponibilizadas no arquivo eletrônico.
No que tange à geração desse documento, em síntese:
A empresa transportadora gera um arquivo eletrônico contendo as informações fiscais da prestação de serviço, e o assina digitalmente para garantir a integridade dos dados e a sua autoria como emissor do documento;
Após essa etapa, o arquivo eletrônico do conhecimento de transporte será transmitido para a Secretaria da Fazenda, via internet, para aprovação;
A Sefaz realiza uma validação do arquivo e devolverá uma Autorização de Uso para que o contribuinte possa utilizar o arquivo;
Sem essa autorização o transportador não poderá transitar com a mercadoria, tampouco iniciar a prestação do serviço de transporte.
O arquivo autorizado pela Sefaz será transmitido pela Secretaria de Fazenda para a Receita Federal do Brasil, que será o repositório de todos os CT-e emitidos (Ambiente Nacional) e, no caso de uma operação interestadual, para a Secretaria de Fazenda de destino da operação;
Para acobertar o trânsito da mercadoria e a efetiva prestação de serviço de transporte de cargas a transportadora deve imprimir uma representação gráfica do Conhecimento de Transporte Eletrônico de cargas, intitulado de DACTE (Documento Auxiliar do Conhecimento de Transporte de Cargas Eletrônico), em papel comum.
MDF-e – Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais
O terceiro documento que deve ser utilizado pela transportadora se refere ao Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e), que é também gerado e armazenado eletronicamente, e possui as seguintes finalidades:
Vincular os documentos fiscais utilizados na operação e/ou prestação, à unidade de carga utilizada no transporte; e
Agilizar o registro em lote de documentos fiscais em trânsito e identificar a unidade de carga utilizada e demais características do transporte.
Em termos práticos, o Manifesto Eletrônico reúne em um documento eletrônico todas as informações da carga transportada (dados das notas fiscais emitidas pelos remetentes), sua rastreabilidade (informações dos locais de carregamento e de descarregamento), bem como identificação da real participação da transportadora na execução do transporte (utilização ou não de veículo próprio na prestação) e do envolvimento de terceiros na operação (transportadores subcontratados, por exemplo). A transportadora gera o arquivo eletrônico, através do seu banco de dados, contendo informações como:
Dados do percurso:
- identificação do Estado e Município do Carregamento (origem);
- identificação do Estado e Município do Descarregamento (destino);
- sigla das Unidades da Federação do percurso do veículo.
Informações dos documentos fiscais vinculados ao manifesto:
- informações dos Municípios de descarregamento (destinos);
- chave de acesso dos CT-es;
- código de barras.
Totalizadores da carga transportada e seus documentos fiscais:
- quantidade total de CT-e relacionado no Manifesto;
- quantidade total de conhecimentos;
- valor total da mercadoria/carga transportada;
- código da unidade de medida do peso bruto da carga/mercadoria transportada;
- peso bruto total da carga / mercadoria transportada;
Dados do veículo:
- código interno do veículo;
- placa do veículo;
- tara;
- capacidade em KG;
- capacidade em M3;
- proprietários do veículo (preencher quando o veículo não pertencer à empresa emitente do MDF-e);
- Etc.
Recebida a autorização da Sefaz para formalizar o MDF-e como documento fiscal, além da obrigatoriedade de manter o arquivo eletrônico em seus arquivos fiscais pelo prazo mínimo de cinco anos, a transportadora deverá ainda gerar o DAMDFE (Documento Auxiliar do Manifesto Eletrônico de documentos Fiscais).
À exemplo do DACTE impresso quando da geração do CT-e, o Documento Auxiliar do MDF-e consiste na impressão em papel A4 de um resumo das informações constantes do arquivo eletrônico, e que servirá para acompanhar a carga durante o transporte e possibilitar às unidades federadas o controle dos documentos fiscais vinculados ao MDF-e, apesar de o sistema disponibilizar eletronicamente a cópia do documento.
Não obstante, cabe ressaltar que a tecnologia e estrutura atualmente empregadas na geração dos documentos digitais já congregam no Manifesto Eletrônico, por exemplo, todas as informações fiscais e logísticas do transporte, pois, nele são relacionadas as chaves de acesso eletrônico do CT-e que, por sua vez, traz a chave de acesso da NF-e, de modo que por esse documento fiscal, e de forma digital, o fisco tem acesso a todas as informações necessárias às verificações decorrentes dos processos de fiscalização, tornando, na nossa visão, desnecessária a impressão de todos os documentos fiscais utilizados no transporte.
Por fim, mas não menos importante, destaque-se que insere-se nesta verdadeira “rede de ineficiência burocrática”, mais um instrumento promotor de burocracia, que definiria, de imediato, os procedimentos para cadastramento da Operação de Transporte e correspondente geração do Código Identificador da Operação de Transporte (CIOT), emissão esta, suspensa pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a partir de sexta-feira (3/4), via Portaria Suroc n. 19/2020.
Não nos parece crível, que um país que pretende ser expoente de crescimento econômico, produza tanta burocracia inibidora do próprio desenvolvimento econômico.
Por essa razão, essa estrutura complexa e burocrática que assola demasiadamente o cotidiano das empresas transportadoras nos convida, no cenário atual, à reflexão sobre a necessidade urgente de uma mudança fiscal, tributária e de processos operacionais, reduzindo-se, abruptamente as obrigações acessórias e emissão de documentos, que se alinhe a dinâmica operacional das empresas logísticas, de modo a permitir a fluidez das operações sem entraves, de forma simplificada, ágil, desonerada, seguindo a própria tônica da era digital, e sem os penosos reflexos do chamado “custo Brasil”.
Por Francisco Assis Souza – sócio da LogTributos Consultoria Fiscal e Tributária e consultor da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos
Redação Na Boléia