01032018Apesar das conquistas das mulheres em várias áreas, a profissão de caminhoneiro ainda hoje é predominantemente exercida pelo sexo feminino. Na verdade, para muitos, dirigir profissionalmente nas estradas é tarefa para o “sexo forte”.

Por outro lado, mesmo enfrentando o preconceito e muitas barreiras, é cada vez maior o número de mulheres que escolhe ganhar a vida na boléia de um caminhão, contribuindo para transportar as riquezas do País com a mesma capacidade e competência de um homem.

O fato é que elas hoje já são em maior número nas estradas e atuam de igual para igual com os colegas para sustentar suas famílias. Infelizmente, no Brasil, não existem estatísticas oficiais em relação à quantidade de caminhoneiras atuantes, mas sabe-se que a profissão ainda é exercida, na maior parte, por homens. Para se ter ideia, na pesquisa Perfil dos Caminhoneiros 2016, realizada pela CNT, das 1.066 entrevistas feitas com motoristas profissionais (autônomos e empregados de empresas), apenas 0,3 eram do sexo feminino.

Na verdade, as dificuldades das mulheres que decidem ganhar a vida como motorista de um caminhão são muito maiores do que a dos homens. Além da falta de segurança, condição ruim das estradas, remuneração nem sempre justa, jornadas de trabalho excessivas e péssimas condições de trabalho, o que atinge ambos os sexos, as mulheres enfrentam ainda grande discriminação, muitas vezes, até por parte dos próprios colegas de trabalho.

Outras não têm apoio nem mesmo da família, dos companheiros e filhos.

Mostrar essa realidade e compartilhar histórias que ressaltam os desafios que as caminhoneiras encontram nas estradas é importante para tentar diminuir o preconceito e oferecer melhores condições de trabalho para toda a categoria. Por isso, aproveitando a passagem do Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março próximo, a Editora Na Boléia ouviu algumas caminhoneiras que revelaram seus sonhos e o que esperam de 2018 na profissão e em suas vidas pessoais.

Em busca dos sonhos

Janaina Torres, caminhoneira há quatro anos em São Paulo, conta que começou a se interessar pela profissão seguindo o exemplo do marido, que também é motorista profissional. Segundo ela, para atuar nessa área é preciso muita coragem e determinação. “Enfrentei muitas barreiras, inclusive, da própria família. Mas tive apoio do meu marido e do meu filho, hoje com 20 anos, que sempre me incentivaram a atuar neste setor”, conta.

Como trabalha com entregas urbanas dentro de São Paulo, a caminhoneira sempre está em casa durante as noites, podendo se dedicar à família. Para ela, a realidade da mulher caminhoneira no Brasil é ainda muito difícil. Janaina conta que possui colegas que já sofreram com a falta de respeito e até mesmo assédio.

“Meu desejo para 2018 é continuar trabalhando nesta área para conquistar alguns dos meus sonhos, que são reformar minha casa e comprar um caminhão novo. Acredito que o preconceito que sofremos ainda continuará existindo, pois vivemos em uma sociedade machista. Mas o importante é não desistirmos. Todas as conquistas das mulheres ao longo dos anos foram obtidas com lutas e muito garra. Temos de continuar mostrando nosso valor”, destaca.

Além da jornada exaustiva, pois muitas ainda voltam para casa para cuidar do marido e filhos, o preconceito é de toda ordem. O jargão de que “mulher ao volante, é perigo constante” é proferido por colegas do sexo masculino, muitas vezes, em tom de brincadeira, mas, mesmo assim, causa aborrecimento.

Joana Soares, caminhoneira desde 2010 em São Paulo, conta que já foi vítima dessas brincadeiras de mau gosto. “Isso não passa de preconceito. Mas consigo tirar de letra. Até porque jamais me envolvi em um acidente ao longo desses oito anos de profissão”, garante.

Na verdade, já está provado que mulheres caminhoneiras são mais cuidadosas no trânsito. Estudos apontam que elas se preocupam mais em cumprir as leis e com a segurança da carga que transportam. Além disso, cuidam mais da manutenção dos caminhões e conseguem dirigir defensivamente, o que traz economia para as empresas em que trabalham.

Para Joana, o mercado de trabalho para a caminhoneira precisa ainda de muita transformação. Segundo ela, as mulheres continuam ganhando menos do que os homens nesse setor.

“Infelizmente, a realidade não é a melhor para a caminhoneira. Mas o que vale é a realização de um sonho. Sempre quis ser motorista profissional, seguindo o exemplo de meu pai, que foi caminhoneiro por mais de 30 anos. Mas só consegui concretizar esse desejo depois que me separei e meus filhos estavam grandes. Hoje, tanto meu ex-marido quanto meus filhos têm orgulho do que sou. Meu maior sonho é ver as caminhoneiras serem respeitadas e valorizadas pelo trabalho que exercem, pois somos igualmente capazes e, todos os dias, provamos nosso valor. Merecemos respeito como qualquer outro profissional que atua nesse mercado”, comenta.

Cuidados com a saúde

Outro desafio da mulher caminhoneira, como acontece com os homens, é cuidar da saúde. Muitas vezes, devido à dupla jornada de trabalho (casa e estrada), nem sempre elas dispõem de tempo para ir ao médico e fazer exames de rotinas. Na verdade, pesquisas mostram que tanto homens quanto as mulheres que ganham a vida nas estradas do País não se cuidam muito bem. Os principais problemas são obesidade, hipertensão, colesterol alta glicemia, entre outros. Os fatores que provocam esses problemas são recorrentes: má alimentação, falta de sono, sedentarismo etc.

Marilda Silva, que há três anos atua na estrada, diz que desde que abraçou a profissão nunca mais passou em uma consulta médica. “Sabemos que é errado, mas na maior parte do tempo, a rotina nos consome e vamos descuidando e adiando a visita ao médico”, relata.

Ela conta que, no ano passado, teve um pico de pressão alta e que chegou a procurar um pronto-socorro em um hospital. O médico a aconselhou a visitar um especialista, mas após um dia de descanso, Marilda, já recuperada, voltou à ativa e desistiu de buscar um especialista.

O problema é que obesidade, colesterol alto, hipertensão etc. são fatores de riscos para doenças cardíacas. E as mulheres são mais suscetíveis a esse tipo de problema. Estudos médicos no Brasil apontam que no País uma em cada cinco mulheres tem risco de sofrer um infarto. As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte entre as mulheres, e a probabilidade da mulher morrer de infarto é 50% maior quando comparada aos homens. Por isso, todo cuidado é pouco.

Nesse aspecto, Giovanna Magalhães, caminhoneira há sete anos, diz não se descuidar da saúde. Mesmo sem ter um convênio, ela utiliza o SUS para fazer exames preventivos.

Tanto Marilda quanto Giovanna anseiam por condições de trabalho melhores que as permitam ter mais qualidade de vida e cuidar da saúde.

“A vida na estrada é dura. Nem sempre conseguimos marcar e comparecer às consultas. Mas, neste ano, quero mudar e realizar, pelos menos, os exames de rotina”, promete Marilda.

Já Giovanna sonha com um mercado de trabalho mais justo para todos os gêneros. “Tanto homens quanto mulheres sofrem com as más condições de trabalho, leis que não são cumpridas, exploração e abusos. Precisamos ser mais respeitados em nosso ambiente de trabalho, ter nosso valor reconhecido. E, para isso, precisamos deixar de lado as diferenças e os preconceitos para nos unirmos e atuarmos para a construção de um mercado mais justo e humano para todos”, alerta.

Por Madalena Almeida – Redação Na Boléia

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