Rodolfo Rizzotto
Rodolfo Rizzotto

A Editora Na Boléia entrevistou Rodolfo Rizzotto, coordenador do Programa SOS Estradas, que é a favor da obrigatoriedade dos exames toxicológicos para motoristas. Para ele, o Brasil está implantando um sistema de prevenção de uso de drogas por condutores, um novo conceito que, já no primeiro ano da exigência, apresenta resultados impressionantes

A obrigatoriedade de exames toxicológicos para motoristas profissionais, determinada pela resolução 425/12 do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), que ganhou caráter legislativo com a Lei 13.103/15, tem sido um dos assuntos mais polêmicos no setor de transporte rodoviário de cargas nos últimos tempos. Conforme a norma, os motoristas habilitados ou aqueles que vão tirar a CNH nas categorias C, D e E são obrigados a passar pelos exames. As empresas, por sua vez, também devem solicitar o procedimento nas contratações e demissões de condutores.

Em março último, a lei completou um ano de sua vigência. Mas ainda hoje causa controvérsias. As principais queixas dos que são contra o exame envolvem aspectos como os custos referentes à realização do exame, a probabilidade de falsos positivos e a eficácia da medida para a redução de acidentes.

O fato é que, segundo estatísticas, os veí-culos pesados estão envolvidos em 51% dos acidentes fatais no Brasil. Além disso, muitos desses motoristas fazem uso da combinação de drogas e direção, que somada à fadiga decorrente de jornadas excessivas de trabalho, pode provocar incidentes fatais.

Recentemente, em um acidente ocorrido no Espírito Santo, considerado o maior na história do estado, envolvendo um ônibus e um caminhão, que matou 23 pessoas, a perícia constatou por exames toxicológicos que o motorista usou cocaína e a anfetamina horas antes de colidir contra o ônibus.

O fato reascendeu a discussão. A Editora Na Boléia, que já publicou a visão da Abramet e de outras entidades que questionam alguns aspectos da lei, entrevistou Rodolfo Rizzotto, coordenador do Programa SOS Estradas e autor dos livros “Recall – O que as Montadoras Não Contam”, “Acidentes Não Acontecem” e de vários estudos, entre eles “As Drogas e os Motoristas Profissionais”.

Na entrevista, o especialista comenta os pontos positivos da legislação, que foi criada com o intuito de reduzir o número de infrações e preservar a vida no trânsito. Confira

Editora Na Boléia – A obrigatoriedade de exames toxicológicos para motoristas profissionais tem gerado muita polêmica desde a publicação da Lei. Quais são, na sua opinião, os pontos positivos e negativos dessa legislação?

2-1-09102017Rodolfo Rizzotto – São vários os aspectos positivos da exigência do exame. O Brasil está implantando um sistema de prevenção de uso de drogas por condutores. É um novo conceito, já que temos cultura de fiscalizar e não prevenir. Os resultados do primeiro ano da exigência são impressionantes, em que pese tantas liminares suspeitas solicitadas por órgãos de trânsito no início da implantação da Lei. Mais de 400 mil condutores habilitados nas categorias C, D e E não renovaram nem pediram rebaixamento de categoria.

É indício contundente de positividade escondida, ou seja, condutores que sabem que são usuários de drogas e que não conseguiriam passar 90 dias sem usá-las. Por outro lado, sabemos que muitos motoristas estão deixando de usar drogas para suportar a jornada e, com isso, reduzimos o risco de acidentes graves, como o ocorrido no final de julho com uma carreta no Espírito Santo, no qual o motorista estava sob efeito de drogas e causou 23 mortes, inclusive a sua.

Ao mesmo tempo, combatemos a concorrência desleal, afinal, quem usa drogas está tirando serviço de quem não usa, porque vai aceitar condições de viagem que o não usuário jamais aceitaria. Esse tipo de profissional, inclusive, pressiona o valor do frete para baixo, exatamente por se submeter a condições desumanas de trabalho. Acrescento ainda que as empresas começam a sentir a pressão dos motoristas que não querem viajar tendo de recorrer a essas substâncias e, com isso, são obrigadas a dizer não para o embarcador, o dono da carga, quando querem baixar ainda mais o frete.

O principal explorador desse segmento é o embarcador. É o caso do dono do granito do acidente que mencionei no Espírito Santo. Ele sabia que estava colocando excesso de peso numa carreta em péssimas condições, com um motorista em estado de fadiga. Por isso, defendemos que os embarcadores devam ser responsabilizados também pelos acidentes quando sua carga é transportada nessas condições.

Por fim, o exame está ajudando a combater o tráfico de entorpecentes e a logística da distribuição da droga no Brasil. Um caminhoneiro que usa drogas passa a manter relações com traficantes, logo está transportando carga ilegal escondida na carga legalizada.
Com isso, baixa o valor do frete porque não se importa com o frete da carga legal. Recentemente, a Polícia Rodoviária Estadual de São Paulo pegou um caminhoneiro com 30 toneladas de grãos e nove de maconha. Pelos grãos, ele recebia R$ 3.000,00 e pelo transporte da maconha R$ 60 mil. É lógico que ele vai baixar o valor do frete tirando serviço de quem é sério. Da mesma forma, ao se relacionar com traficantes, ele começa a dar dicas das cargas valiosas que podem ser roubadas. Hoje, a principal fonte de informação para roubo de carga no Rio de Janeiro são os próprios caminhoneiros das empresas, conforme revelou o chefe do roubo de cargas dos traficantes.

2-2--09102017Qual são os principais erros e acertos na elaboração da lei? O que pode ser ainda aprimorado?

A Lei 13.103/15 criou abusos de jornada, aumentando para quatro horas o número de horas extras admissíveis. Por outro lado, permite que dois motoristas fiquem 72h dentro do veículo, revezando ao volante, antes de pararem para dormir em local seguro. São aberrações que contribuem para o excesso de jornada. Daí a importância do exame toxicológico de larga janela, que é praticamente a única arma para combater o uso de substâncias ilícitas pelos motoristas para suportarem o excesso de jornada.

Precisamos reduzir a jornada dos motoristas, em particular dos caminhoneiros, o que obrigará a contratar mais motoristas e vai ajudar a aumentar o valor do frete. O excesso de jornada baixa o valor, e isso só interessa a quem explora os caminhoneiros e as transportadoras, os maus embarcadores.

Agora, precisamos exigir o exame toxicológicos num primeiro momento para a primeira habilitação, estimulando jovens a não usar drogas, bem como os demais condutores que são beneficiados pela atividade remunerada ao volante, sejam taxistas, motoristas de Uber e outros condutores que se enquadram nessa situação.

Em que aspectos o ITTS defende a obrigatoriedade dos exames?

Como consultor do Instituto de Tecnologias para o Trânsito Seguro (ITTS), sei que eles têm posição semelhante à nossa no SOS Estradas. É o uso de tecnologia na prevenção dos acidentes. Ações de fiscalização são praticamente inviáveis quando se trata de rodovias. Imagina parar três carretas na estrada na frente de um posto da polícia? São praticamente 100 metros de pista ocupados. Reter dois motoristas de ônibus pode significar o desembarque de centenas de passageiros em locais sem a menor condição para que eles esperem um novo veículo para transportá-los.

Infelizmente, tem muito palpiteiro nesse setor que não conhece nada da realidade da estrada. Nós estamos há 25 anos na pista, rodamos mais de 1,8 milhão de km e conhecemos a realidade de todos os tipos de condutores que circulam nas nossas estradas.

A Abramet, e outras entidades ligadas às áreas da saúde, são contrárias à entrada em vigor da lei, justificando que o exame se apresenta ineficiente sob diversos aspectos. Para a entidade, o método que emprega amostras de cabelo, pelos ou unhas não é capaz de definir com precisão o momento exato do consumo da substância ilícita. Qual sua visão em relação a essa questão?

2-63-09102017Quanto ao argumento de que o exame de larga janela não permite identificar se o motorista estava sob efeito de drogas no ato da direção, merece duas observações. A boa medicina defende a prevenção e não tem como foco a fiscalização. Portanto, o que nos interessa não é pegar quem está dirigindo sob efeito de drogas, mas evitar que ele use. Quando entidades médicas defendem a fiscalização, bom, aí, possivelmente, temos outras motivações que não coerentes com a boa prática médica.

Por outro lado, a síndrome de abstinência pode contribuir decisivamente para um acidente. Basta perguntar a qualquer psiquiatra. Alguns dos sintomas, conforme ensina a literatura médica, vão da irritabilidade, cansaço, retardamento psicomotor, depressão e até tendência ao suicídio.Consequentemente, o fato de alguém não estar usando drogas no momento da direção não significa que ele não esteja colocando em risco a vida de terceiros.

Aliás, faço um desafio à Abramet e seus representantes para debatermos o exame toxicológico de larga janela em qualquer evento público ou meio de comunicação. Porque na prática não sabem quais as vantagens científicas desse método, que está provando seus benefícios no Brasi e que nos EUA hoje é usado como diferencial pelas transportadoras, que chegam a anunciar para os candidatos a motoristas: “Oferecemos um ambiente livre de drogas porque fazemos o exame toxicológico de larga janela”.

Com esse tipo de anúncio, já avisam aos motoristas que ali não entra quem usa drogas. Por isso que as maiores transportadoras americanas, há mais de dez anos, começaram a exigir o exame de larga janela e conseguiram zerar os acidentes com motoristas sob efeito de drogas. Elas chegaram à conclusão de que o exame de urina não bastava. Detalhe: essas empresas pagam pelo exame, portanto, não fazem lobby para laboratório. Eles são os clientes do exame e não quem vende. Da mesma forma, já o fazem no Brasil companhias aéreas, empresas de combustível, a Embraer, empresas offshore, todas que envolvem atividades de risco. Por que não fazem apenas o randômico, que é análogo à fiscalização? Exatamente porque sabem que exame de urina não é suficiente. É fundamental prevenir e desestimular o uso da droga.

É importante lembrar que o exame toxicológico de larga janela não custa nada ao erário público. Quem paga pelo exame é o motorista, que de alguma forma obtém receita ou benefício com o uso da habilitação, ou a empresa, no caso da admissão e demissão de motoristas. Inclusive, não cabe alegar que o preço do exame é caro, afinal, um pneu de caminhão custa mais de R$ 1.000,00. Um caminhoneiro autônomo gasta em média mais de R$ 100 mil por ano de diesel, outro valor semelhante de pedágio. Portanto, não é um exame de R$ 300,00 que ainda pode ser pago em parcelas que vai inviabilizar a renovação da CNH.

Entretanto, quando assistimos representantes de alguns Detrans, da Abramet e outras entidades defendendo a compra de equipamentos para fiscalização, cujo refil pode custar mais de R$ 100,00 por motorista testado e cujos recursos saem dos cofres públicos, é obrigação de todos os cidadãos brasileiros apurar quais as reais motivações dessa proposta. Afinal, no Brasil em que nós vivemos, ficou claro que somos surpreendidos com frequência como o dinheiro público é utilizado de forma, no mínimo, inusitada.

O fato é que o trabalho de prevenção, como é o caso do exame toxicológico de larga janela, não exige recursos públicos. Já o de fiscalização necessita sempre de muito dinheiro dos cofres do Estado, ou seja, do bolso do cidadão brasileiro.

Existe algum estudo ou levantamento que possam comprovar a eficácia da medida no último ano?

Os números da própria Polícia Rodoviária Federal já revelam uma redução de acidentes com caminhões maior do que a redução do movimento nas estradas brasileiras em função da crise econômica. Os indicadores da ABCR apontam redução de 6% de passagem de veículos pesados nos pedágios, devido à crise, após a implantação do exame.

Enquanto isso, nos primeiros seis meses da exigência do exame caíram 28% os acidentes com veículos pesados. Entretanto, o fato é que não temos cultura de fazer o exame toxicológico de larga janela do motorista envolvido em acidente com vítimas. Normalmente, é feito apenas o de álcool. Esse acidente no Espírito Santo é emblemático, porque como a própria esposa do motorista disse que ele usava substâncias ilegais para ficar acordado, houve mais rigor na autópsia.

O resultado é que ele estava sob efeito de rebite e tinha usado cocaína uns dias antes. Esse é o iceberg que está escondido nas estradas brasileiras e que o exame revela. Por isso, esses 400 mil motoristas que não renovaram e ficaram sem nenhuma habilitação, representam um drama humano assustador para o qual nunca demos a devida atenção. E que, em grande parte, é responsabilidade do sistema desumano de exploração dessa mão de obra, além da incompetência da Abramet em qualificar seus profissionais para identificar de fato motoristas usuários regulares de drogas.

Apesar da obrigatoriedade dos exames, existem muitas empresas que estão descumprindo a lei e não realizando os exames na contratação ou demissão dos motoristas. Por que isso acontece?

Por omissão do Ministério do Trabalho, a começar pelo Ministro e seus prepostos mais importantes na escala hierárquica. No ITTS, foi feito um levantamento cruzando os dados dos motoristas contratados e demitidos desde que o exame passou a ser obrigatório nesses casos, ou seja, desde abril do ano passado. Na prática, apenas 3% das empresas estão cumprindo a lei. O Ministro foi informado disso, mas parece não ter estímulo para aplicar a lei e determinar a fiscalização. Se o Ministério cumprisse seu papel, provavelmente o motorista da carreta que matou 23 pessoas no Espírito Santo não estaria sob efeito de drogas. Pelo que apuramos, a empresa daquele condutor não realiza o exame, assim como tantas outras grandes empresas no Brasil.

Mais uma vez assistimos um caso de concorrência desleal. Afinal, a empresa que respeita a jornada dos motoristas e que controla o uso de drogas cumpre a lei e investe em segurança, tem um custo maior do que quem não cumpre a lei. Agora, o porquê da omissão do Ministério é resposta que só o ministro pode dar. Curiosamente, no Ministério das Cidades, por meio do Denatran, o exame está sendo exigido e o ministro cumpre o que determina a lei.

Precisamos entender que o combate ao uso de drogas só funciona pela prevenção. Por isso que entidades de vítimas de trânsito, familiares de motoristas que recorrem a drogas para suportar a jornada são a favor do exame. Os motoristas que não usam também são a favor, porque percebem o risco que representam os colegas que usam.

Por outro lado, quem se posiciona contra o exame, normalmente, são entidades que representam quem explora os motoristas ou que acreditam apenas na fiscalização e querem recursos públicos para isso. Sem contar os traficantes, que, naturalmente, são contra o exame toxicológico de larga janela.

É fácil entender o poder da prevenção que esse exame oferece analisando alguns segmentos que já estão aplicando esse método. Por exemplo, há inúmeras escolas nos EUA que exigem o exame de adolescentes para evitar que haja viciados na escola e, com isso, conseguem afastar os traficantes por falta de clientes.

Quanto mais pessoas tiverem que passar por esse tipo de controle para poder ingressar em qualquer atividade profissional, menos usuários de drogas teremos, menos acidentes, menos mortes.

No caso dos motoristas profissionais, duvido que um passageiro de ônibus seja contra a realização de exame do gênero do motorista que o conduz todos os dias para o trabalho, assim como nenhum pai será contra ao fato de o motorista do transporte escolar passar por esse exame preventivo. Não pode ser diferente para quem trafega nas rodovias transportando dezenas de toneladas ou passageiros. Estamos falando de vidas humanas e não de números.

Por: Redação Na Boléia

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