O que é preciso para um trânsito mais seguro?
Segundo o IPEA, são R$ 40 bilhões os custos com os acidentes de trânsito no Brasil. Mas para resolver esse problema é preciso atuar em várias frentes, o que passa pela questão da melhoria da malha viária, maior fiscalização, renovação de frota de veículos e melhor formação e conscientização dos motoristas.
Apesar das inúmeras discussões sobre a necessidade de mudanças
reais para maior segurança no trânsito, todos os anos o número de vítimas de acidentes nas estradas cresce de maneira assustadora.
Um último levantamento estatístico mostrou existirem 54 mil óbitos e 330 mil incapacitados. E nessas estatísticas ainda não foram computados os óbitos tardios. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), são R$ 40 bilhões os custos com os acidentes de trânsito no Brasil.
Mas para resolver esse problema é preciso atuar em várias frentes, o que passa pela questão da melhoria da malha viária, maior fiscalização, renovação de frota de veículos e melhor formação e conscientização dos motoristas.
Para se ter ideia, já está no parlamento um projeto de lei permitindo que, aos 16 anos, o jovem possa ser portador da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Acontece que hoje diversas novas carteiras são emitidas diariamente, sem preocupação de garantir, de fato, que esses motoristas possam dirigir com responsabilidade.
Na verdade, a formação do motorista é ainda precária, com ensinamentos que se limitam a fazer o veículo andar e estacionar. Para Dr. Dirceu Rodrigues Alves, médico e Diretor de Comunicação e do Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), nada é feito com relação a treinamento para os riscos em condições adversas, como as condutas a serem tomadas com chuva, névoa, neblina, na área urbana, na rodovia, dia, noite e outras situações. Como frear com freios comuns e ABS, com piso seco e molhado. Desviar de um obstáculo em emergência. Manipular todos os acessórios do veículo em situação normal e emergência e tantos outros.
Na visão de Dr. Dirceu, a avaliação psicológica é muito superficial, com tempo limitado, não permitindo um estudo aprofundado do perfil do futuro motorista. Dessa forma, liberam-se indivíduos pouco responsáveis, compulsivos, com distúrbios comportamentais e até portadores de doenças psiquiátricas. “Não vemos direcionamento para uma qualificação mais adequada e o impedimento para acessar uma atividade de risco na direção veicular. As autoridades são responsáveis por essa anarquia e precisam de atitudes severas para tornar a nossa mobilidade segura. A participação da sociedade se faz necessária”, comenta Dr. Dirceu.
Para ele, o País está longe de encontrar soluções para redução dos acidentes nas rodovias, que causam mortes, sequelas, perdas patrimoniais e deixam famílias no desalento e desprotegidas.
Lei não é funcional
No caso de motoristas profissionais, Dr. Dirceu questiona a lei 13.103 e a Portaria 116 do MTPS, que visam diminuir jornadas, reduzir acidentes e dar melhor qualidade de vida no trabalho, mas que não atendem, de fato, a essas necessidades. “Não podemos ignorar que a cada 4 horas na direção veicular, o homem tem lapsos de atenção; que com 8 horas tem déficit de atenção; e que, acima disso, o risco de acidente aumenta em duas vezes. Ignora-se, no entanto, que a vibração de corpo, o ruído uniforme e contínuo, o movimento pendular do tronco e da cabeça, as imagens que passam no seu campo visual durante toda a jornada são fatores indutores da fadiga e do sono. Fora isso, deve-se incorporar aos distúrbios do sono, principalmente da privação do sono – comum entre os caminhoneiros – os fatores decorrentes do repouso em locais inadequados, como dentro da boleia, por exemplo, contrariando o que é recomendado pela higiene do sono”, pondera.
Nesse aspecto, outro questionamento da Abramet é em relação à lei que obriga a realização dos exames toxicológicos na admissão e renovação da carteira de motorista. Segundo ele, trata-se de uma lei que está direcionada para coibir acidentes de trânsito e necessária para esse fim. Porém, o equívoco está em não obrigar a realização do exame enquanto o motorista está na direção, ou seja, na estrada, que é onde se faz uso de substâncias tóxicas.
“A Abramet não é contra o exame. Somos contra a obrigatoriedade somente na admissão ou na renovação da carteira, pois até a renovação existirá uma janela, permitindo que o motorista possa fazer uso de drogas sem que seja fiscalizado. Dessa forma, a lei não é funcional e está sendo usada somente para finalidades comerciais”, explica Dr. Dirceu.
Segundo o médico, para sancionar a lei, o Governo não ouviu o Conselho Federal de Medicina (CFM), associações médicas, toxicologia, farmacologia, Ministério da Saúde e outras especialidades. “É uma lei avessa às necessidades da classe trabalhadora”, comenta.
Falta fiscalização ostensiva
Para Dirceu, uma série de fatores contribui para que o trânsito faça milhares de vítimas todos os anos no Brasil. Um dos pontos mais falhos, segundo ele, é a falta de fiscalização mais efetiva tanto na área urbana quanto rodoviária. “É preciso ter uma fiscalização ostensiva para que os agentes federais possam coibir, de fato, o uso de drogas nas estradas. Hoje, a realidade indica poucos recursos humanos, o que provoca uma fiscalização deficiente”, alerta.
Outro aspecto levantado por Dirceu diz respeito à maneira como o exame toxicológico é feito. Na visão do especialista, o cabelo nem sempre é a melhor forma de verificar o consumo de drogas, pois pode apresentar um falso positivo. De acordo com ele, a Abramet defende a checagem a partir de exames de sangue e urina.
Para o médico, campanhas e ações de conscientização em relação aos riscos do uso de drogas e dos perigos nas estradas devem ser desenvolvidas permanentemente, o que não tem acontecido no Brasil.
“Os Ministério do Trabalho se preocupa com os riscos de acidentes em máquinas nas fábricas, mas não se preocupa com os riscos de acidentes em máquinas sobre rodas. Paralelamente a isso, é preciso investir na formação dos condutores. É necessário haver uma progressão de aprendizado real. Hoje, só aprendemos a fazer o carro andar. Não conhecemos as estradas, nem os riscos que envolvem o ato de dirigir”, acrescenta.
Segundo ele, as principais causas de acidentes nas rodovias são fadiga (18%) e sono (42%) perfazendo uma estatística alarmante de 60% de todos os acidentes. Vale a pena lembrar que 93% dos acidentes acontecem por falha humana. “Costumamos dizer que hoje, em todo acidente rodoviário que tem um motorista profissional envolvido, o motivo principal é o excesso de jornada de trabalho. É este o motivo pelo qual nossos caminhoneiros evoluem para as drogas”, destaca.
Em relação ao consumo de drogas, as mais consumidas, segundo o médico, são as anfetaminas, o famoso rebite, seguidas pela maconha e cocaína. Segundo Dirceu, 54% dos motoristas de rodovias são dependentes de drogas e álcool e destes, 17% são usuários continuados, ou seja, dependentes químicos de álcool e drogas.
“O exame toxicológico, da forma como foi proposto, é uma afronta ao trabalhador. Reforçando que o exame é de larga janela, que tem noventa dias”, lamenta.
Outro aspecto analisado pelo especialista refere-se à forma como os usuários de álcool e droga são tratados pelas autoridades conforme a lei vigente. “São leis que conflitam. Enfim, as drogas na direção precisam ser combatidas diariamente. É necessário que haja maior engajamento e compreensão de todos, a fim de conseguirmos ter, de fato, no Brasil um trânsito mais seguro”, finaliza.
Por: Redação Na Boléia