Crise sanitária induz América do Sul a modernizar processos logísticos
O impacto da pandemia nas cadeias de suprimento e como as empresas na Argentina e no Brasil estão se reorganizando para manter seus desenhos logísticos em funcionamento foi tema de webinar organizado pela Câmara Uruguaia de Logística (CALOG).
O evento contou com a participação do diretor presidente da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos e vice-presidente da (Associação Latinoamericana de Logística (ALALOG), Cesar Meireles, e do presidente da Câmara de Operadores Logísticos da Argentina (CEDOL) e presidente de ALALOG, Hernán Sánchez, contando com a mediação do CEO de Asociación Argentina de Logística Empresaria (ARLOG), Alejandro Leiras, tendo, como anfitrião o vice-presidente da CALOG, Guillermo del Cerro.
“Temos um carinho muito grande por todos os países que compõe a região. Digo sempre que chegamos a ter problemas muito similares, ainda que com particularidades e idiossincrasias. Estamos em um período muito difícil, com diversos desafios a superar“, disse o diretor presidente da ABOL e vice-presidente da ALALOG, Cesar Meireles. “No Brasil, a dificuldade é intensa por várias razões: Somos um país continental, cujas regiões com problemáticas muito díspares, como condições geográficas, climáticas, econômicas, exigem soluções localizadas, específicas para cada uma delas. Para que se tenha uma ideia, temos mais de 1 milhão de pessoas contaminadas e mais de 50 mil mortes no país, estando apenas abaixo dos EUA. É uma situação muito complexa“, continuou.
Meireles comentou que uma das dificuldades enfrentadas durante a pandemia do Covid-19 no Brasil foi a falta de convergência de políticas federais com as estaduais, o que provocou demora na tomada de decisão e na conscientização da população em geral. “Criou-se uma infinidade de decretos, o que, no futuro, pode gerar um ambiente de ainda maior insegurança jurídica. Mas, uma coisa importante é que o Operador Logístico foi considerado serviço essencial por decreto, o que permitiu que as operações seguissem sem problemas em todo o País“, avaliou.
Ademais, Meireles enfatizou o importante crescimento do comércio eletrônico no Brasil. “Somente no primeiro trimestre deste ano o e-commerce cresceu 26,7% em relação ao mesmo período do ano passado. Mais surpreendente ainda foi o boom de abertura de lojas virtuais no período de isolamento. Com um aumento médio de 400%, saltaram de 10 mil para 50 mil aberturas de lojas virtuais por mês“, ressalta.
Já Hérnan Sánchez comentou a pandemia na perspectiva argentina. “No contexto da pandemia e, especialmente, na Argentina, a logística passou a ser chave. No início da crise, o governo local decidiu pelo isolamento obrigatório, permitindo apenas a circulação mínima. Neste cenário, a logística foi crucial para garantir o abastecimento em todo o país, atendendo a demanda e contribuindo com a estabilidade emocional de todos os argentinos. Passamos pela primeira fase da pandemia com a logística fortalecida“, disse.
Sánchez conta que foi necessário aproximar-se do Governo Federal e fortalecer o discurso para desbloquear entraves por desconhecimento da dinâmica logística de cadeias essenciais, como a agropecuária, medicamentos, alimentos e outros.
“A logística na Argentina está suportada por empresas muito tradicionais, com um alto grau de terceirização, o que nos permitiu suportar a crise, mas lembre-se que o país vinha de uma crise econômica importante, que fragilizou as empresas. Inicialmente, a logística não foi incluída nos planos de ajuda às empresas, de assistência ao trabalho e à produção. Entretanto, após estabelecido o diálogo com o governo, fomos incluídos e hoje quase 50% das empresas têm acesso a este auxílio, o que é essencial”, disse, acrescentando que outro stakeholder fundamental neste momento foram os sindicatos locais. “O diálogo com essas entidades nos permitiu reduzir o impacto dos custos trabalhistas. O nosso setor conseguiu não demitir pessoal“, disse.
O presidente de ALALOG contou que a pandemia encareceu em 4% o custo operacional das empresas que atuam na logística em função da compra e utilização de EPIs. “Quando avaliamos a produtividade, registramos queda de 20% a 30%, em função da adoção dos protocolos de prevenção ao covid-19.”
Pós-covid
Meireles elencou algumas questões que demandarão atenção especial do poder público e da iniciativa privada. “O país com as dimensões do Brasil precisa de investimentos substanciais em infraestrutura. O nosso volume de investimento está abaixo dos 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto nossos vizinhos superaram esse patamar há muito tempo. Isto precisa ser um foco determinante para o nosso desenvolvimento, porque, quando falamos em infraestrutura, não falamos apenas em transportes e logística, mas também em tecnologia. Nesta pandemia o mundo passou a fazer uso intensivo da tecnologia para dar conta dessa nova forma de conviver e trabalhar“, avaliou.
O diretor presidente da ABOL prevê também mudanças estruturais que podem vir a pressionar a indústria a repensar seus processos produtivos. “Teremos uma sociedade com novas demandas, muito provavelmente com um novo desenho urbano, portanto, demandante de uma nova arquitetura de mobilidade urbana! Os Operadores Logísticos atuam da primeira à última milha, e deverão atender à essa nova ordem de coisas. Veremos um novo repensar das cadeias de suprimentos globais e de produção. Penso, se não me equivoco, que buscaremos menos dependência econômica externa, revendo, inclusive o conceito de just-in-time, com vistas a ter mais estoques próximos das demandas, ou seja, uma inversão de conceitos aproximando-se mais do nearshoring. O novo modelo dessa sociedade inserida no ‘próximo normal’, terá que ser mais comprometida com sustentabilidade e inclusão social“.
Sánchez concorda com o colega brasileiro. “A pandemia acelerou várias questões que iriam chegar à nossa região nos próximos três anos. Por exemplo, as entregas ao consumidor final, o e-commerce, chegou para ficar na Argentina e o setor foi forçado a se adaptar a esse tipo de logística. Outro ponto interessante é como se valorizou a questão da sustentabilidade e das relações humanas no trabalho; ganhou extrema importância poder contar com profissionais qualificados“.
Concordando com Meireles, Sanches também defende que a pandemia é disruptiva no mundo e nos países da América Latina não poderia ser diferente. “A globalização, como a conhecíamos, vai mudar. A indústria vai modificar a dinâmica da matriz de produção, afetando o macro ambiente logístico com consequências no micro. As relações trabalhistas mudarão também, com novos formatos de contratos de trabalho, o que pode ter efeitos negativos, pois pode fragilizar certos grupos de trabalhadores“.
Ainda abordando a mudança esperada de hábitos e costumes, Meireles voltou a dar importância ao e-commerce no Brasil. “Vimos a mudança de tendência com empresas alterando seu perfil, de B2B para B2C, dinamizando os escopos de serviços. E o próprio B2B também ganhou mais dinamismo, o que vai forçar um redesenho da logística no last mile, atendendo ao desejo projetado de que trabalho, produção lazer e consumo se concentrem em espaços urbanos específicos, a exemplo dos bairros“.
Na Argentina, o crescimento do consumo eletrônico também foi intenso, mas ainda restrito a consumidores de maior poder aquisitivo. “Como o e-commerce não era um segmento que estava tão instalado no país, tivemos um aumento de 100%. Mas ainda não chegou às classes sociais mais baixas, que são quase 50% da população. De qualquer forma, o e-commerce trouxe um nível de serviço ao qual as pessoas se acostumaram e não vão abrir mão”, avaliou Sánchez.
Tecnologia e capacitação
Entre os consensos que a crise provocada pelo novo coronavírus definiu, está o que atesta a necessidade de investimentos em tecnologia aplicada à produção em busca de maior eficiência e produtividade e à capacitação dos profissionais.
“Temos que trabalhar com muito afinco na capacitação, na educação, na inclusão digital; é um trade off importante que o país tem que fazer. Em logística, o ponto-chave são as pessoas e, por mais que adotemos a tecnologia, atrás de toda operação está sempre uma pessoa. O desenvolvimento e a adequação das empresas às novas tecnologias, sempre se dará a partir do investimento em capacitação. É uma iniciativa de responsabilidade das empresas, não esquecendo-nos que, em um país com 14 milhões de desempregados, essa mesma preocupação deve estar inserida em políticas de estado“, opinou Meireles.
O diretor presidente da ABOL também lembrou de outro calcanhar de Aquiles no Brasil: a burocracia. “Temos que trabalhar muito na desburocratização, que é um freio que compromete a produtividade. A legislação precisará ser simplificada para permitir as mudanças que esta nova logística exigirá. Teremos que buscar todos os espaços e recursos para simplificação burocrática, principalmente na nova era digital. As cadeias de produção e de suprimento exigirão um novo mindset para desenvolver esta nova fase das nossas operações. Governo e iniciativa privada têm que estar ainda mais juntos para o desenvolvimento de projetos que tragam simplicidade aos processos“.
Para Hérnan, presidente de ALALOG, “é comum ser feita uma associação entre a adoção de tecnologia e a redução de postos de trabalho. Mas essa ilação está equivocada. Vamos olhar aos países desenvolvidos: quanto mais desenvolvimento tecnológico, maior produtividade, maior desenvolvimento econômico e social. Esses países, com grande desenvolvimento tecnológico, não têm as desigualdades que nós temos“, argumenta.
Ele citou o exemplo de empresas como o Mercado Livre e o Operador Logístico Andreanni, que instalaram sorters nas suas operações. “Sem este equipamento, essas companhias não teriam atendido a demanda na Argentina. As empresas que estavam tecnologicamente preparadas geraram empregos. A mão de obra na logística é intensiva, mas deve obrigatoriamente gerar valor e o único caminho para isto é a tecnologia“, avaliou.
Por Redação Na Boléia