REVISTA- F.N.M – O mais brasileiro dos caminhões
O livro Caminhões FNM, da Editora Alaúde, cujo um dos autores é José Rogério Lopes, aborda a trajetória da Fábrica Nacional de Motores (FNM), que criou a marca de caminhões de maior representatividade nas estradas brasileiras. Além da história, o leitor poderá conferir um rico acervo fotográfico, com fotos de modelos antigos que ficarão para sempre na memória.
Que o brasileiro é apaixonado por carros, todo mundo sabe. Mas os caminhões também têm sido objeto de desejo e vêm fascinando, principalmente, os que levam a vida nas estradas e fazem disso uma profissão.
O fato é que antes de servirem para o transporte de cargas, os caminhões fazem parte dos sonhos de infância de muitos garotos. E isso até hoje.
Por ser um país cujo transporte de cargas é predominantemente rodoviário, o Brasil é um dos principais mercados mundiais para caminhões, abrigando fábricas das principais marcas e acompanhando bem de perto as tecnologias presentes hoje nesses veículos.
Nas ruas do País, atualmente, é possível encontrar caminhões bem modernos com grande tecnologia embarcada, design diferenciado e atrativo e todo o conforto e estabilidade para o motorista, sem contar a evolução no que diz respeito ao consumo de combustível e sistemas que garantem redução de poluentes e melhor desempenho.
Por aqui, mais de uma dúzia de empresas disputam um mercado acirradíssimo, que tem apresentado uma queda vertiginosa de vendas, desde o início da crise econômica, mas que continua sendo um setor bastante promissor.
Outra característica do mercado de caminhões no Brasil é que apesar da dependência do transporte de cargas rodoviário e da disponibilidade de opções das diferentes marcas para todos os gostos e bolsos – sem falar dos incentivos que esse setor pôde contar ao longo dos anos em termos de linhas de financiamentos com juros mais baixos –, a frota de caminhões no País ainda é velha.
Pelas ruas e estradas brasileiras, é comum encontrar caminhões com mais de 20 anos de uso, que ainda hoje ajudam a transportar as riquezas do Brasil. Alguns deles são modelos lendários, que marcaram época e fizeram história. Como é o caso do inesquecível FNM, um dos mais emblemáticos caminhões do País. Ícones de uma época, até hoje são veículos que possuem milhares de admiradores e, apesar de sua idade avançada – os primeiros FNMs foram lançados na década de 1940 –, ainda rodam pelas estradas, enfrentando intempéries e situações adversas e mantendo os mesmos diferenciais que fizeram dele um clássico no Brasil: potência, robustez, chassi forte e alta capacidade de carga.
Para quem não sabe, esses caminhões foram extremamente importantes no desenvolvimento econômico do País, sendo responsáveis pelo transporte de, praticamente, de toda a produção agrícola brasileira na década de 1950.
A história do “queridinho” entre os caminhões do Brasil tem sido eternizada em diversas ocasiões, encontros e exposições de veículos antigos que acontecem durante o ano em várias partes do País. Para ajudar a perpetuar a memória desse modelo, recentemente, foi lançado também o livro Caminhões FNM, da Editora Alaúde, cujo um dos autores é José Rogério Lopes. Apaixonado por automóveis e autor de 18 livros, todos na área automotiva, José Rogério é coordenador da série Clássicos do Brasil (da Editora Alaúde), dedicada a preservar a memória dos modelos de automóveis que marcaram a história.
Na sua obra mais recente, ele aborda a trajetória da Fábrica Nacional de Motores (FNM), que inaugurou, em 1949, a primeira linha de montagem nacional de caminhões, criando a marca de maior representatividade nas estradas brasileiras.
O livro consumiu dois anos de pesquisa, trabalho realizado em parceria com Evandro Fullin, um apaixonado por caminhões, que ajudou na elaboração e pesquisa do conteúdo. Na obra, além da história, o leitor poderá conferir um rico acervo fotográfico, com fotos de modelos antigos que ficarão para sempre na memória.
A Origem
Na verdade, a Fábrica Nacional de Motores (FNM) era uma estatal e foi fundada em 1942, em Xerém (RJ), para produzir motores radiais de avião Curtiss-Wright R-975, visando atender às necessidades dos países aliados durante a Segunda Guerra Mundial.
A criação da fábrica foi uma tentativa do então presidente Getúlio Vargas de transformar o Brasil em uma economia industrializada. Mas com o fim da Guerra, a fábrica ficou praticamente inoperante até 1949, quando o Governo , depois de buscar inúmeras outras alternativas, estabeleceu uma parceria com a italiana Isotta Franschinni para transferência de tecnologia, o que resultou no lançamento do primeiro caminhão genuinamente brasileiro: a série D 7300 – que não era ainda o famoso cara chata.
Poucas unidades foram produzidas, até que a Isotta fechou suas portas. Mais uma vez, o Governo teve de correr atrás de novos parceiros. Nesse momento, surge uma oportunidade de parceria com a Alfa Romeo, em 1951, que culminou no lançamento, um ano depois, do modelo D-9500, agora com a famosa cara chata e carroceria rebitada, em vez de soldada.
O mais lendário
Os modelos eram equipados com motores de 130cv e possuíam uma capacidade de carga de 8.100 kg, que poderia ser ampliada para 22.000 kg se fossem acoplados a uma carreta de dois eixos. Além de serem capazes de transportar muita carga, eram os únicos caminhões a possuir cabine leito com duas camas, um conforto a mais para motoristas que precisavam enfrentar longas viagens.
“Como a fábrica não possuía capacidade técnica para produzir diversos tipos de cabines, o D-9500 era vendido com uma carroceria standard. Mas diante da grande demanda, outros modelos de cabines eram produzidos em parceria com diversas fábricas, tais como: Inca, em SP; Brasinca, em SC, Metro, no RJ, e Drulla, em Curitiba”, revela José Rogério.
Essa família foi vendida até 1957, quando nasceu a linha D 11000, que contou com algumas melhorias em termos de potência e câmbio. “O D 11000 foi o mais lendário de todos, um caminhão que fez história. Além de mais potente, tinha maior capacidade de carga, e foi, sem dúvida, o caminhão mais vendido na década de 1960. Nessa época, o Brasil se desenvolveu na boleia de um FNM, pois era um modelo extremamente resistente, que dificilmente quebrava e apresentava manutenção relativamente baixa”, garante José Rogério.
Reduzida cruzada
O fato é que os FNMs inauguraram uma nova era no transporte de cargas do Brasil. Antes deles, todos os caminhões que rodavam pelas ruas e estradas do País eram de marcas estrangeiras – a maioria vinda da Inglaterra.
“Devido à sua robustez, muitas pessoas o apelidaram de João Bobo, pois era uma modelo que tinha flexibilidade para transportar qualquer tipo de carga”, conta José Rogério.
Com um ronco grave característico, os FNMs se destacavam pela resistência, mas deixavam a desejar em velocidade. Eram veículos mais lentos, mas que tinham excelente desempenho, principalmente nas estradas.
Uma curiosidade dos FNMs era a reduzida cruzada. É que esses modelos tinham duas alavancas de câmbio: uma servia normalmente como câmbio e ficava embaixo ao lado do capô do motor, e a outra alavanca de câmbio era localizada no painel (à direita), servindo como reduzida.
Para fazer a troca das marchas, era um verdadeiro malabarismo. Muitas vezes, o motorista precisava utilizar o cotovelo do braço esquerdo para segurar o volante e, ao mesmo tempo, puxar a alavanca da reduzida do painel para baixo ou para cima, enquanto a outra mão empurrava o câmbio para frente ou para trás, formando um “X” com os braços. Imagina fazer isso em uma curva fechada, ou à noite, tendo de acelerar ao máximo para não perder o embalo?
A Série D1100 seguiu sendo produzida até 1972. Porém, em 1968, em uma das primeiras privatizações do País, o Governo brasileiro vendeu definitivamente a fábrica à Alfa Romeo.
Em 1973, surge uma nova geração com os modelos 180 e 210, até que, em 1976, a Fiat adquire a maior parte das ações e assume o controle da fábrica, passando a produzir os modelos Fiat 190. Essa nova fase foi marcada por uma grande renovação dos produtos e, aos poucos, a montadora foi mudando os projetos e abandonando qualquer semelhança com o famoso FNM.
“Importante lembrar que a Fiat teve seu ingresso no Brasil com a fabricação dos FNMs. Com automóveis, a montadora lançou no mesmo ano o147, o primeiro carro produzido pela Fiat em sua fábrica, em Betim (MG)”, lembra José Rogério.
Em 1985, já administrada pela Iveco, uma acentuada queda de vendas leva à decisão de encerrar as atividades da fábrica no Brasil, que resultou no fim da fabricação dos FNMs. Ao longo de todas as fases, a empresa produziu cerca de 15 mil veículos.
Lenda-viva nas estradas brasileiras, os FNMs não são mais fabricados, mas sua importância para a história e desenvolvimento do País é indiscutível. São caminhões que ainda causam grande comoção por onde passam e atraem uma legião de fãs, que querem ver de perto os famosos caras chatas com cara de mau.
Livro: Caminhões FNM
Editora: Alaúde
Autores: José Rogério Lopes de Simone criou e editou a revista Automóveis Históricos e é coordenador da série Clássicos do Brasil, dedicada a preservar a memória dos modelos de automóveis que marcaram a história do país. Evandro dos Santos Fullin é engenheiro mecânico e consultor independente na área de veículos comerciais. É editor do site Caminhões Antigos Brasileiros.
Fotos cedidas pelos autores do livro.
Por: Redação Na Boléia