1-09102017O Projeto de Lei que pretende estabelecer um marco regulatório para o TRC é extenso. Se vai melhorar as relações entre embarcadores e transportadores, não sei. Mas um ponto muito importante foi novamente ignorado: a corresponsabilidade civil e criminal do contratante na ocorrência de acidentes

Está em curso, no Congresso Nacional, um Projeto de Lei que pretende ser mais uma tentativa de estabelecer um marco regulatório para o transporte rodoviário de cargas – o TRC. Quem convive com o setor tem conhecimento de que o TRC engloba desde empresas de grande porte, organizadas e legalmente estabelecidas; até aquelas que são meros agenciadores de cargas, que se dizem transportadores sem possuir um único veículo, passando, é claro, pelos autônomos e agregados.

Todos os veículos enquadrados em uma das descrições (1) no final do texto, deviam ser registrados na ANTT (ou seu equivalente). Na legislação atual, extinguiram o TCP e uma quantidade significativa de caminhões passou a ter placas na cor cinza e desapareceram das estatísticas.

O atual Projeto de Lei, na verdade um substitutivo à Lei nº 4.860, considera outras categorias envolvidas à atividade econômica do TRC, descritas (2) no final do texto.

Em notícias veiculadas recentemente, o maior destaque estava no item que diz que autônomo não poderá ser contratado diretamente pelo embarcador (Art. 23). O mesmo deverá ser subcontratado por uma ETC ou CTC, exceto nos casos em que o transporte se iniciar num estabelecimento rural. Em outras palavras, para o escoamento da safra, o agricultor pode contratar diretamente um autônomo, ficando a cargo do contratante o recolhimento de impostos, taxas, contribuições e seguros.

Contudo, outros pontos importantes do Projeto de Lei não mereceram destaque na imprensa. Cooperativas ficam impedidas de contratar autônomos, só podendo utilizar veículo registrados em nome de seus cooperados, e passam a ser civilmente responsáveis pelos atos dos cooperados durante o transporte pelo qual ficaram encarregadas.

O Art. 20 estabelece que a relação decorrente do contrato de transporte de cargas é uma prestação de serviços e não constitui relação de trabalho, sendo que as divergências devem ser resolvidas na justiça comum. Isso acaba com as ações supostamente trabalhistas entre autônomos e agregados contra as empresas de transporte ou qualquer outro contratante.

O Art. 98 diz que o transporte rodoviário de carga postal e a carga comercial não podem transitar conjuntamente no mesmo veículo. Este é um ponto que nunca consegui entender. Por incontáveis vezes, já vi reclamações de transportadores em relação aos Correios, que exerceriam uma competição desleal com as empresas de transporte.

Entretanto, basta andar pelas cidades e estradas para ver caminhões pintados de amarelo e com placas vermelhas (nos veículos próprios dos Correios a placa é cinza), com uma identificação discreta do nome da transportadora, prestando serviço à estatal. Ora, se são contra os Correios transportarem e distribuírem mercadorias, não deveriam prestar serviços ao órgão.

O Art. 99 estabelece que os veículos de transporte de passageiros sejam proibidos de transportar cargas comerciais, exceto as que estejam sob a responsabilidade dos passageiros embarcados ou de propriedade da própria empresa. Isso significa que acaba uma atividade paralela das empresas de ônibus de transportar cargas e encomendas.

Ao contrário do que fazem em relação aos Correios, nunca vi reclamação de competição entre empresas de transporte de cargas e de passageiros, apesar de já ter viajado em ônibus em que mal havia espaço para a bagagem daqueles que embarcaram, de tanta mercadoria armazenada no porta-bagagem do ônibus.

O Projeto de Lei é extenso, 33 páginas com mais de uma centena de artigos. Se vai melhorar as relações entre embarcadores e transportadores, não sei. Mas, na minha modesta opinião, um ponto muito importante foi novamente ignorado: a corresponsabilidade civil e criminal do contratante na ocorrência de acidentes.

Para citar apenas um caso, recentemente, tivemos o acidente ocorrido no ES envolvendo um caminhão carregando um bloco de granito, com 11 toneladas acima do limite de peso permitido, um ônibus e duas ambulâncias, que resultou na morte de mais de 20 pessoas. Se o embarcador tivesse contratado o veículo adequado, ou cortado o bloco para se adequar ao limite de peso do veículo, pode ser que o acidente, mesmo ocorrendo, não fosse tão grave. Mas a opção foi a de usar um veículo de menor capacidade, em péssimo estado de conservação e, obviamente, pagar menos pelo frete.

E agora? Quem paga pela vida das vítimas? E não me refiro a pagamentos em valor, em dinheiro, e sim a pagamento em termos de responsabilidade. Quem merece punição? Somente o motorista (que também veio a óbito), ou no máximo os responsáveis pela transportadora? Nada disso teria acontecido sem o envolvimento do embarcador, do contratante do serviço e do proprietário da carga. A punição deve ser para todos os envolvidos na operação.

Quem sabe, um dia veremos algo assim.
1- Antigamente, tínhamos categorias no TRC:

– ETC: Empresa de Transporte de Cargas;
– TAC: Transportador Autônomo de Cargas;
– TCP: Transportador de Carga Própria;
– CTC: Cooperativa de Transporte de Cargas.

2- Categorias envolvidas à atividade econômica do TRC:

– TAC: Transportador Autônomo de Cargas;
– ETC: Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas;
– CTC: Cooperativa de Transporte de Cargas;
– ETPP: Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas de Pequeno Porte;
– TCP: Transportador Rodoviário de Carga Própria;
– MTRC: Motorista de Transporte Rodoviário de Cargas;
– RT: Responsável Técnico;
– GRTR: Gerenciadora de Risco de Transporte Rodoviário;
– EAE: Empresa de Atendimento a Emergências;
– IPEF: Instituição de Meios de Pagamento Eletrônico de Frete;
– EVP: Empresa de Vale-Pedágio;
– OEF: Operadora Eletrônica de Frete.
Todas as categorias devem ter sede no Brasil e, de alguma forma, estar registradas perante a ANTT.
Por: Pércio Schneider 
Redação Na Boléia

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