2-3-20082018-minEmbora o transporte de cargas por rodovias seja o modal mais difundido em todo mundo, inclusive no Brasil, onde 65% das riquezas são distribuídas sobre rodas, esse não é o meio mais barato, principalmente, quando se leva em consideração as dimensões continentais do País.

O fato é que o modelo rodoviário gera altos custos, que impactam toda a cadeia logística do transporte no Brasil. O alto valor dos combustíveis, a falta de infraestrutura da malha rodoviária, que aumenta a manutenção dos veículos, bem como a insegurança nas estradas, entre outros fatores, têm reflexo em toda a atividade, levando a nação a perder competitividade no cenário internacional.

Sem contar que esse modelo é também poluente. E, em um mundo em que a busca pela sustentabilidade e soluções verdes é cada vez mais premente, encontrar alternativas para que o transporte rodoviário de cargas se torne mais sustentável tem sido a pauta de muitos debates.

Para se ter ideia, conforme a Agência Internacional de Energia (AIE), os transportes são os maiores consumidores mundiais de combustíveis derivados de petróleo – uma fonte de energia não renovável.

Diante disso, a categoria de transportes é uma das que mais contribuem para a emissão de gases de efeito estufa (GEE), que são responsáveis pelo aumento do aquecimento global.

No Brasil, os transportes respondem por 69% do consumo de petróleo e gás natural e por 13,8% das emissões de GEE. De toda energia consumida em transportes no mundo, 93% são derivadas de petróleo e, no Brasil, este percentual atinge 80%.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), um maior investimento em transportes verdes, eficientes e sustentáveis pode ajudar a alcançar as metas globais de sustentabilidade e proporcionar uma economia de US$ 70 trilhões até 2050.

Na verdade, a dependência do Brasil no modelo rodoviário é histórica e, pelo menos, em curto prazo, esse cenário não deve se alterar. Mas a boa notícia é que já existem muitas iniciativas mundiais, e também no Brasil, que visam à construção de cidades e estradas mais sustentáveis com sistema de transporte mais eficaz e menos poluente.

Até porque é possível criar uma logística para o transporte de cargas, que, além de preservar o meio ambiente, traga benefícios financeiros às empresas. Estudos comprovam que a adoção de práticas mais sustentáveis contribui para a revisão de processos e procedimentos, auxiliando na economia do consumo de energia e, consequentemente, redução de custos totais das empresas.

“As atividades logísticas são essenciais para toda a sociedade, por suprirem cargas e serviços e por ampliarem os resultados econômicos das empresas, representando de 7% a 9% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e cerca de 12% do PIB brasileiro. E um dos grandes desafios das empresas para o século XXI é serem sustentáveis e, simultaneamente, eficientes na maneira como operam sua logística e demais atividades, sem que isso impacte sua economia”, afirma Márcio D’Agosto, Coordenador Técnico Programa de Logística Verde Brasil (PLVB), iniciativa que reúne acadêmicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Centro Federal de Educação Tecnológica/RJ e 21 empresas de diversos segmentos para o aprimoramento da eficiência e a implementação de medidas socioambientais na logística.

Criado em 2016, o PLVB contempla todas as atividades logísticas, porém, com foco inicial no transporte de carga, em particular o modal rodoviário. O objetivo principal é desenvolver, elaborar e publicar soluções que visem melhorias ambientais no transporte de cargas.

Nesta entrevista com Márcio D’Agosto, os leitores poderão conhecer um pouco mais dessa iniciativa, que dissemina conhecimentos e estimula a troca de experiências, no sentido de ajudar o País na busca pela redução dos custos no transporte e pela ecoeficiência, que beneficiará toda a cadeia. Confira.

Editora Na Boléia – Fale- nos um pouco sobre o Programa de Logística Verde Brasil.

Márcio D’Agosto
Márcio D’Agosto

Márcio D’Agosto – O Programa de Logística Verde Brasil surgiu de uma iniciativa estratégica de empresas que decidiram buscar e colocar em prática algo concreto, que destacasse o compromisso delas com a responsabilidade social.

Os objetivos são atuar, de fato, em projetos que possam reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE). Daí o foco do grupo ser na logística e no transporte rodoviário.

Trata-se de um modal totalmente dependente do uso de combustíveis fósseis, algo altamente poluente. Cerca de 93% do combustível utilizado no transporte mundial é derivado do petróleo; no Brasil essa dependência chega a 80%.

Por aqui, ainda temos uma condição melhor por contarmos com alternativas, como o etanol e o próprio biodiesel, um produto biodegradável derivado de fontes renováveis.

Hoje, o PLVB é composto por 21 empresas, que participam de reuniões mensais para troca de conhecimentos e experiências, disseminação de informações, treinamentos e busca de alternativas mais sustentáveis para a logística do transporte.

No momento, fazem parte do grupo Scania, Mercedes-Benz, BYD, Siemens, HP, L’Oreal, Unilever, Ipiranga, Coca Cola, Clariant, Dow, Heineken, Dinon Transportes, Ebmac, Ghelere Transportes, RGLog, Rodocell, Ypê, Cargo Modal, Corpus e Lojas Renner.

Como é a participação das empresas membros?

A primeira premissa é que a empresa tenha a sustentabilidade como um valor. Essas companhias precisam participar das reuniões mensais, designando pessoas, que, em geral, são das áreas de logística e de transporte, e possam ser formadoras de opinião dentro das organizações. Além disso, devem pagar uma taxa de adesão anual, que é usada para financiar o programa.

Ao longo desses dois anos do Programa, quais foram as principais conquistas do grupo?

Falar sobre sustentabilidade é algo complexo, principalmente, em um setor que, historicamente, é dependente de combustíveis poluentes. Quando o grupo iniciou seus trabalhos eram apenas seis empresas tentando levantar um conjunto de boas práticas que pudesse ser adotado em suas operações de transporte de cargas.

Hoje, somos 21 corporações. Isso já é uma grande conquista. Trabalho há mais de 30 anos com responsabilidade ambiental e nunca imaginei que chegaríamos ao patamar que estamos hoje. Percebemos que a conscientização ambiental por parte das empresas tem crescido. Isso me deixa esperançoso, mas ainda há muito o que se fazer.

No ano passado, a maior contribuição do grupo foi o lançamento do Guia de Referência em Sustentabilidade: Boas Práticas para o Transporte de Carga, que consolida 22 boas práticas capazes de contribuir para o aprimoramento da eficiência e da sustentabilidade no que diz respeito ao transporte de cargas.

2-2-20082018-minO trabalho está disponível para todas as empresas que desejam tornar suas operações de logística e de transporte mais eficientes.

Esse Guia é uma ferramenta que colocamos nas mãos das empresas, para que elas olhem internamente para suas operações e identifiquem como devem agir e aplicar essas boas práticas.

No começo de julho, foi apresentada uma nova publicação: o Manual de Aplicação – Boas Práticas para Transportes de Carga, que visa orientar empresas, membros do PLVB ou não, quanto à escolha, aplicação, avaliação e relato das Boas Práticas para o Transporte de Carga por meio da execução de procedimentos estruturados.

A versão eletrônica do Manual de Aplicação: Boas Práticas para Transportes de Carga já está disponível no site do PLVB para download gratuito.

Por meio do manual, pretendemos levar conhecimentos de modo que as empresas possam aplicar as diretrizes do guia. Todo material está em linha com o conceito de responsabilidade ambiental, podendo colaborar nos compromissos internacionais do Brasil para diminuir as emissões de dióxido de carbono em 37% até 2025 e em 43% até 2030 – tomando-se como base o ano de 2005.

Para ajudar na adoção de boas práticas, as empresas membros mantêm entre si uma interação permanente.Temos ainda uma preocupação em relação ao nivelamento de conhecimento entre as corporações que integram o grupo. Nesse aspecto, desenvolvemos um programa de treinamento, que já contemplou cerca de 60% das empresas membros. O objetivo é que todos tenham o mesmo conhecimento e falem a mesma língua.

Apesar do pouco tempo de atuação do grupo, já recebemos reports que mostram que algumas empresas conseguiram 5% de economia no consumo de combustível com o treinamento de motoristas e com a utilização de soluções que melhoram o desempenho dos veículos. Esses e outros resultados farão parte de uma nova publicação do PLVB, que deverá ser lançada dentro de um ano.

A meta é criarmos também, até 2020, um selo verde de transporte de cargas, que será concedido às empresas que conseguirem trabalhar alinhadas a essas boas práticas.

Muitas empresas ainda veem investimentos na busca por operações mais sustentáveis como despesas. Como trabalhar a argumentação para reverter essa percepção?

Há ganhos importantes ao manter uma operação mais sustentável. Na maior parte dos casos, as boas práticas levam à redução dos custos, uma vez que propõem mudanças de processos e procedimentos que geram redução do consumo de energia, tempos de operação, além de garantirem mais produtividade às operações.

Importante lembrar que o consumo de diesel representa cerca de 21% do custo operacional do transporte. Em percursos mais longos, esse percentual sobre para 35%. São valores muito altos, sendo que qualquer variável fora do controle impacta a rentabilidade das empresas. Dessa forma, uma economia de 5% representa muito nos custos totais.

Quais os desafios e dificuldades nessa área no Brasil? O que falta para o País avançar nesse campo?

Temos evoluído, mas o desconhecimento ainda é um grande entrave. As empresas se preocupam em manter seus negócios rentáveis e não veem a responsabilidade ambiental como uma aliada. E isso vale também para toda a sociedade. As pessoas acham que a degradação dos recursos naturais é um problema para se trabalhar no futuro, o que é um erro, pois deveríamos ter pensado nisso há muito tempo.

Devido à falta de conhecimento também é difícil articular boas argumentações junto às empresas, que apresentam dificuldades para mudar suas práticas. Sem contar que o País ainda não conta com infraestrutura para intermodalidade e tampouco regulamentação específica para realizar o que é necessário nessa área.

Diante das ações e iniciativas voltadas a garantir mais eficiência energética, o que se pode esperar nos próximos anos em relação a esse cenário?

As expectativas são positivas, pois estamos falando de algo que é fundamental para sobrevivência. Ou seja, é uma tendência que veio para ficar. Percebemos uma maior conscientização por parte das corporações e também da sociedade.

O maior problema é ainda a visão de curto prazo. Muitas empresas não pensam em longo prazo e querem retorno rápido de suas iniciativas. Estamos em um mundo em transformação e todos nós seremos impactados pelas mudanças.

Acredito que a sociedade brasileira precisa, de fato, aprender a exercer seu papel e atuar em prol de um mundo mais sustentável.

A dependência do Brasil em relação aos combustíveis fósseis é menor do que a de outros países E isso é uma grande oportunidade para melhorarmos nessa questão da sustentabilidade logística. Vejo que a interação entre as empresas, com a troca de boas práticas e disseminação de conhecimentos é um dos caminhos para deixarmos nossa contribuição para a preservação do Planeta.

Por: Redação Na Boléia

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