1-1-09102018-minO Brasil rumo à disrupção do transporte rodoviário de cargas. Considerado um dos grandes vilões do meio ambiente, o transporte rodoviário de cargas está vivendo um momento de transformação, marcado, principalmente, pela busca por soluções mais sustentáveis e a criação de um modelo menos poluente e, ao mesmo tempo, economicamente atrativo para as empresas.

Os esforços para acabar com o estigma de grande poluidor do setor podem ser percebidos em várias frentes e envolvem a aplicação intensa de tecnologias no desenvolvimento de outras fontes de propulsão, mais limpas e igualmente eficientes.

O fato é que até hoje o transporte rodoviário de cargas é mundialmente dependente de combustíveis derivados de petróleo, uma fonte de energia não renovável, condição que o coloca entre os segmentos que mais contribuem para a emissão de gases de efeito estufa (GEE).

No Brasil, os transportes são responsáveis por 69% do consumo de petróleo e gás natural e por 13,8% das emissões de GEE. De toda energia consumida em transportes no mundo, 93% são derivadas de petróleo. No Brasil, este percentual atinge 80%.

Reforçando esses dados, o relatório do Observatório do Clima, divulgado recentemente, apontou que, em 2016, os caminhões lançaram na atmosfera 85 milhões de toneladas de CO² no País.

Mas se, inicialmente, esse cenário se apresenta sombrio e cheio de desafios, por outro lado, traz também uma grande oportunidade, impulsionando a nação na busca pela eficiência energética. A boa notícia é que várias soluções já estão a caminho e despontam como grande tendência no cenário nacional.

Os maiores avanços podem ser percebidos no desenvolvimento de combustíveis alternativos. Na Europa, onde o conceito de sustentabilidade no transporte está consolidado há muito mais tempo, existem diversas tecnologias em uso, que proporcionam vantagens econômicas e ambientais comprovadas.

Soluções como Gás Natural Veicular (GNV), biometano, biodiesel, diesel sintético (HVO), Hidrogênio, Gás Natural Liquefeito (GNL), entre outros, já começam a ter sua viabilidade analisada no Brasil, sem falar do advento dos elétricos, que também estão na mira da indústria de caminhões por se tratar de uma solução menos poluente. A verdade é que diante da dependência do petróleo, quando se pensa em combustíveis alternativos não existe uma fonte de energia única que seja capaz de substituir o produto fóssil definitivamente.

Encabeçado pelas fabricantes de caminhões, esse processo de transição para o uso de alternativas menos poluentes e a produção em escala de caminhões que usam energia mais limpa é um caminho que o Brasil está compartilhando gradativamente.

“Quando falamos de combustíveis livres de carbono, temos de lembrar que essa transição no Brasil não deve ser tão rápida, pois depende de uma série de fatores, como a maturidade do mercado, a questão regulatória, a disponibilidade do combustível, redes de distribuição e abastecimento adequadas, entre outras variáveis. É preciso analisar o ciclo como um todo. A Scania tem investido em várias possibilidades. Aliás, o compromisso da marca é se tornar a parceria líder na transição do transporte sustentável, atuando para que esse processo ocorra de forma mais inteligente possível, a fim de garantirmos as melhores vantagens aos nossos clientes”, expõe Celso Mendonça, gerente de Pré-Vendas da Scania no Brasil.

Mais eficiência térmica

Ciente de que esse é um movimento sem volta também no Brasil, nos últimos anos, a montadora – a exemplo de outras – tem buscado aprimorar seus caminhões, aumentando a eficiência térmica dos motores a diesel que equipam seus produtos para reduzir a queima de combustível e poluição. Mas uma grande aposta da fabricante para o País são os veículos movidos a biometano e a GNV, versões disponíveis na nova geração de caminhões da marca, lançada em agosto.

O biometano é um gás não poluente proveniente do processo de purificação do biogás, gerado a partir da decomposição de matéria orgânica de diversas fontes, como restos orgânicos de comida, dejetos de animais, resíduos da produção de açúcar e álcool e até mesmo de aterros sanitários.

O biogás se apresenta associado a vários outros gases, entre eles, o metano, que tem grande aproveitamento energético e poder de combustão. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) já reconhece o biometano de diferentes origens, inclusive, aquele proveniente de aterros, cuja regulamentação foi publicada em meados do ano passado.

Pelas características do País, temos um grande potencial para produção de biogás, devido ao alto volume de resíduos orgânicos disponíveis em várias atividades e regiões. Segundo dados da Associação Brasileira do Biogás e Biometano (Abiogás), é possível produzir no Brasil mais de 50 bilhões de metros cúbicos de biogás por ano entre proteína animal, saneamento e resíduos sucroenergéticos. Além disso, com o biometano podemos diminuir em 96% as emissões de CO2.

Conforme levantamento da Abiogás, somente o setor agropecuário é capaz de produzir mais de 70 milhões de metros cúbicos de biometano por dia, dos quais 78% vêm de subprodutos da indústria sucroenergética e 22% da produção e processamento de proteína animal. Na área de saneamento, essa contribuição chega a mais sete milhões de metros cúbicos/dia. Aliás, no Brasil, são crescentes os exemplos de iniciativas em que a produção de gás biometano tem sido muito bem-sucedida.

Um projeto de sucesso foi implementado na Itaipu Binacional, geradora de energia limpa, que tem aproveitado os resíduos obtidos em seu complexo e dejetos de animais da região oeste do Paraná para produzir o biometano usado para abastecimento de sua frota de veículos.

1-3-09102018-minVantagens econômicas

Além de ser menos poluente, um dos fortes apelos do biometano é sua vantagem econômica. De acordo com Celso, em testes feitos pela Scania com ônibus, o custo por quilômetro rodado de um modelo movido a biometano é 28% inferior em comparação aos dos movidos a diesel.

Um outro argumento em favor do biometano é o fato de o produto não sofrer variação cambial, ou seja, por não ser uma commodity, garante maior previsibilidade dos custos de transporte.

“Hoje, a Scania já oferece também motores de 13 litros para veículos movidos a biometano, com maior potência, permitindo que o caminhão percorra longas distâncias e consiga carregar mais carga. Esses modelos já estão disponíveis para o Brasil”, destaca.

Segundo o executivo, desde 2010, quando a empresa lançou os primeiros caminhões a biometano na Europa, foram comercializados mais de 2.500 caminhões da marca movidos a esse combustível, e a projeção é de mais crescimento.

Evolução do GNV

Já o GNV é um gás oriundo do petróleo, que também tem em sua composição a mistura de outros gases. Apesar de ser um combustível fóssil, é menos poluente, apresentando também vantagens econômicas e ambientais.

Outro ponto em favor é que o Brasil já conta com redes de distribuição e abastecimento estruturadas, que deverão ser ampliadas nos próximos anos. E, de acordo com Celso, um caminhão com motor a gás pode abastecer tanto com GNV quanto com biometano.

Na verdade, o GNV já existe no Brasil desde a década de 1990, porém, a tecnologia ainda não era plenamente desenvolvida, o que gerou algumas reclamações por parte dos proprietários de veículos. A maior queixa recaiu sobre a perda de desempenho, principalmente, em veículos de passeio.

Nesse aspecto, Celso garante que os motores a GNV utilizados hoje nos caminhões e ônibus não deixam nada a desejar no quesito desempenho quando comparados ao dos motores a diesel. O mesmo vale para a manutenção.

“Nos anos 1990, o Brasil introduziu o GNV, mas com baixa tecnologia, tanto de motor, que eram mecânicos, quanto de processamento, já que o gás não tinha uma purificação adequada. Daí o estigma de que os motores a gás são fracos. Hoje, conseguimos entregar rendimento no caminhão a gás equivalente ao dos que rodam com diesel, com o diferencial que, além de poluir menos, esse veículo traz outros atributos, como ser também mais silencioso, por exemplo”, esclarece.

O que falta para o País avançar?

Diante das vantagens dos combustíveis alternativos, a pergunta que fica é: o que falta então para o Brasil deslanchar no uso de combustíveis alternativos no transporte rodoviário de cargas?

Na visão de Marco Isola Naufal, pesquisador da Área de Motores do Laboratório de Engenharia Térmica do IPT, o Brasil tem se destacado em combustíveis alternativos, mas a pesquisa ainda precisa avançar nessa área. “Hoje, não temos uma linha clara de desenvolvimento para motores pesados a etanol ou extensivos testes de durabilidade para avaliar altos teores de biodiesel nos motores. É preciso uma linha de pesquisa com participação do Governo, das montadoras e dos fabricantes de motores. É sempre bom salientar que as descobertas tecnológicas para reduzir as emissões de veículos e o custo do transporte são possíveis com investimento em pesquisa e desenvolvimento. Para isso, o País necessita de pesquisas alinhadas e uma criteriosa gestão de tais projetos, visando um objetivo comum. Não se geram soluções tecnológicas com política, leis ou proibições, mas com investimentos e incentivos, tanto em pesquisa quanto em profissionais para realizá-las”, opina Naufal.

O fato é que a corrida por um transporte com baixas emissões e alto rendimento está movimentando vários setores no Brasil, o que deve impulsionar o amadurecimento do mercado nacional. A própria greve dos caminhoneiros, realizada em maio, que paralisou o País, e a restrição cada vez maior de veículos a diesel nos grandes centros, reforçam a necessidade do desenvolvimento de combustíveis alternativos ao diesel.

“Os embarcadores, por sua vez, também estão contribuindo para essa transição, pois já começam a exigir de seus prestadores de serviços uma operação mais sustentável, o que vem desencadeando as mudanças de que o Brasil necessita para criar maior demanda e para termos, no futuro, a produção desses veículos em maior escala”, afirmou Celso, da Scania.

Conforme o executivo, a companhia hoje está preparada para atender à demanda no Brasil, oferecendo soluções tecnológicas para todos os tipos de combustíveis disponíveis mundialmente. Mas, segundo ele, o que determinará o futuro energético por aqui é a maturidade do mercado e a viabilidade econômica de cada combustível. “Vemos que o Brasil ainda não está pronto para determinados tipos de combustíveis. Por exemplo, o hidrogênio e o bioetanol já estão disponíveis na Europa, porém, no atual momento, têm um custo inviável para o País”, explica.

A era dos elétricos

Nessa nova era da indústria de caminhões, os elétricos também surgem como uma forte tendência. Bastante difundidos no continente europeu, os veículos movidos à eletricidade já começam a chegar ao Brasil. São modelos que se utilizam de um sistema de recarga semelhante às de tomadas, cuja energia é armazenada em baterias. Por não emitirem gases prejudiciais ao meio ambiente, atendem aos apelos sustentáveis. Por ouro lado, apresentam alguns contrapontos: autonomia limitada, recarga lenta, baterias muito pesadas que aumentam a tara do veículo e impactam a capacidade de carga, sem falar dos problemas para descarte – por serem em lítio poluem o meio ambiente – e ausência de uma rede de abastecimento adequada.

Na opinião de Naufal do IPT, a eletricidade para a mobilidade de veículos leves e urbanos de pequeno porte pode ser uma solução viável, caso a matriz energética seja majoritariamente renovável. “No entanto, a grande porcentagem de energia provida pela matriz hidráulica no Brasil já está totalmente utilizada e qualquer demanda adicional vem, no momento, de usinas termoelétricas, queimando combustíveis fósseis. Para que a tecnologia de veículos elétricos seja realmente benéfica, será preciso uma reestruturação do setor de geração de energia, ou a diversificação da matriz para fontes de energia localizada e renovável”, analisa.

Já para o transporte pesado rodoviário, na visão do pesquisador, será um desafio ainda maior, já que a quantidade de energia para movimentar um veículo é enorme, e as atuais baterias ainda não possuem características que possam atender tal demanda comercialmente, embora já existam protótipos de tais veículos.

A indústria automotiva mundial já vem se debruçando sobre desafios e promete trabalhar no aprimoramento dessa tecnologia nos próximos anos. A projeção das montadoras é que a partir de 2030, com o advento de novas técnicas para o desenvolvimento de baterias, esse mercado ganhe força, inclusive no Brasil.

Porta de entrada

De olho também nesse filão, a Scania acabou de lançar no IAA 2018 – Salão de Veículos Comerciais, que aconteceu na Alemanha, em final de setembro, os caminhões híbrido elétrico plug-in (PHEV) e elétrico híbrido (HEV.

1-2--09102018-minAlém da Scania, outras montadoras também estão investindo no desenvolvimento de motores com combustíveis alternativos ao diesel. A IVECO, por exemplo, apresentou no IAA 2018 suas opções de veículos elétricos e movidos a GNV. Além disso, a empresa também já trabalha na Europa em versões movidas a gás liquefeito e em um projeto movido a células de hidrogênio, porém, sem previsão de oferta comercial.

Para a montadora, o GNV e o biometano são portas de entrada para o uso de uma energia limpa no Brasil. “Acredito que são tecnologias que vão ajudar a mudar o transporte no País. Por outro lado, apesar de termos uma rede de abastecimento já estruturada, dos 45 mil postos em funcionamento, um pouco mais de dois mil oferecem GNV, e destes 40% se encontram em São Paulo. Diante disso, serão necessários investimentos para ampliação da rede, principalmente nas rodovias”, analisa Alexandre Capelli, gerente de Engenharia da IVECO.

Conforme o executivo, o desenvolvimento de novos motores para GNV também tem sido um dos focos da IVECO, por meio da FTP Industrial. Entre os anúncios mais recentes, constam o Cursor 9 GNV, que oferece 400 cavalos e torque até 1.700 Nm, além do Cursor 13 GNV, que garante até 460 cv e torque de até 2.000 Nm. “Os motores para veículos movidos a combustíveis alternativos apresentam tecnologia cada vez mais avançadas, oferecendo potência e torque equivalentes às versões a diesel. A FTF tem várias patentes sendo trabalhadas na área de motores com inúmeras inovações, desde combustíveis, até tecnologias para gerenciamento do motor”, revela Cappeli.

O fato é que a inovação faz parte do DNA das fabricantes de caminhões. Por isso, muitas outras soluções inovadoras e disruptivas deverão ser anunciadas nos próximos anos, impactando positivamente o setor de transporte mundial, mesmo que o Brasil ainda não esteja preparado de imediato para absorvê-las.

Na análise de Celso, da Scania, o futuro energético do Brasil, em curto espaço de tempo, deverá ser pautado pela combinação de combustíveis e veículos híbridos. “É uma possibilidade. Mas a certeza que temos é que os combustíveis alternativos vieram para ficar e, no momento, apesar de se falar muito de híbrido e de elétrico, os modelos a gás devem ser protagonistas”, confirma.

Para o pesquisador do IPT, o País é promissor nessa área. “Com a saída do Brasil de extensos períodos de crises econômicas e políticas, será possível retomar o investimento em pesquisa e desenvolvimento, tanto de motores quanto de combustíveis alternativos, o que, sem dúvida, reduzirá o custo do transporte no País, assim como as emissões geradas pelo setor”, pontua.

Por: Redação Na Boléia

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